segunda-feira, 23 de dezembro de 2024

Pearl (2022)


Por Daniel Gonçalves


Estou gostando dessa história de resenhar os filmes que assisto, claro que isso não se aplica em todos, mas reconheço uma motivação interessante para escrever os textos que levo ao ar neste espaço. A bola da vez é o filme Pearl, de nacionalidade dividida entre Estados Unidos e Canadá, lançado em 2022. Fiquei impressionado com a qualidade fotográfica da produção, tanto nos ambientes externos, quanto nos locais fechados, isso conta pontos valiosos no resultado final (para mim nota máxima nesse quesito). Conta também com uma trilha sonora bastante envolvente, que aumenta a tensão instalada naquela atmosfera fervente. Entre uma pausa e outra, péssimo hábito que tenho, descobri que esse filme pertence a um universo expandido, com mais duas produções, desenvolvidas para formar uma trilogia. Pearl é o início da história, portanto, vamos lá!

Tudo começa em 1918, ano marcado por grandes acontecimentos no mundo, onde temos os momentos finais da 1ª Guerra Mundial assolando a Europa, e a Gripe Espanhola, pandemia que ceifou milhões de vidas. Nesse cenário, uma família vive do jeito que é possível, no interior do Texas, nos Estados Unidos. Pearl (Mia Goth), sua mãe Ruth (Tandi Wright) e seu pai, interpretado pelo ator Matthew Sunderland são os personagens com mais tempo de tela e que estruturam boa parte da trama. O pai, acometido por uma doença que o paralisou por completo, vive numa cadeira de rodas em estado praticamente vegetativo. A mãe, uma religiosa fervorosa, cuida dos afazeres domésticos do rancho e vive mergulhada em uma amargura depressiva prestes a explodir em sentimentos confusos e desproporcionais. Já Pearl, uma jovem que deseja se tornar dançarina de teatro e fazer muito sucesso pelo mundo.

Pelo tamanho da casa de campo que vivem, aparentemente eles não são uma família pobre, mas a doença do pai, somada com as limitações impostas pela guerra, reduziram drasticamente a condição financeira deles. Tanto que os animais são escassos, possuem somente uma vaca leiteira, um carneiro e alguns gansos que ficam perambulando pelo local. Os poucos centavos economizados pela mãe são para comprar migalhas na cidade e remédios para o pai, o principal da lista, sulfato de morfina, para aliviar a dor física. Nesse ambiente, contaminado por uma tensão permanente, um sonho reprimido da Pearl, que utiliza a necessidade de ir à cidade para satisfazer pequenos caprichos, como por exemplo, ir ao cinema. Nele são rodados as primeiras películas, em um recinto esvaziado, muito por conta da pandemia e guerra acontecendo ao mesmo tempo (tem até o clichê de pessoas tossindo, apenas para reforçar a sensação de medo por contaminação).

Antes que eu me esqueça, Pearl é casada com um jovem idealista (e rico), Howard (Alistair Sewell), que foi voluntário a defender seu país na guerra. Ela demonstra um sentimento misto de ansiedade pelo seu retorno e ao mesmo tempo de revolta, pois queria ter ido com ele pelo simples fato de não suportar mais morar naquele rancho. Nesse momento percebemos alguns “gatilhos” sendo ativados na mente de Pearl, com pensamentos bizarros que passa bem longe dos norteadores escrúpulos de consciência. Não vou contar detalhes para evitar spoilers, mas adianto que Pearl inicia um processo perigoso de descontrole emocional, que a leva a um caminho sem volta. Delitos morais podem ser explicados (mas nunca justificados) pela opressão psicológica que sofre de sua mãe, que a desencoraja de praticamente tudo, definindo-a como uma alma condenada à viver sem grandes propósitos pessoais.

Entretanto, a mãe reconhece que Pearl possui desvios de conduta, por isso desaprova os sonhos da filha, que passa a ter um comportamento cada vez mais agressivo. Nesse ínterim, Pearl conhece um jovem que trabalha no cinema da cidade (interpretado por David Corenswet), e logo cria um laço amigável com o rapaz, mas que se torna impróprio nas cenas seguintes, por razões que ele desconhece, mas que ingenuamente acaba por encorajar Pearl a seguir com seus propósitos. Daí por diante temos sequências chocantes (diálogo verborrágico e agressões físicas) que passa muito pelo comportamento errático de Pearl, surpreendida pela mãe, que descobre mentiras contadas pela filha. De reações impulsivas e inofensivas no início, a protagonista passa a ter surtos psicóticos, com atitudes descompensadas, alterações no tom e velocidade da voz, enxergando qualquer um como inimigo e crises que só vão catapultando a imagem singela criada nas primeiras tomadas.

Quem assistir poderá pensar, num primeiro momento, que a mãe subestimou o estado psicológico de Pearl, mas eu interpreto isso como uma falta de informação do que o puro neglicenciamento com a situação. Ruth estava com o universo povoado pela ininterrupta vigília ao marido inválido na cadeira de rodas, um diálogo expressa bem esse fardo, quando ela diz que queria fazer o papel de esposa e não o de “mãe” do marido, dadas as circunstâncias que lhe foram impostas. E também estamos falando de 1918, uma época em que a tecnologia e comunicação ainda encontrava barreiras homéricas para difusão da informação (só havia o rádio e a carta). Para piorar, no meio de todo esse turbilhão de inconsequências, Pearl decide participar de um teste para dançarina organizado pela igreja da cidade, mola propulsora para mais problemas, começando pela irredutível desaprovação da mãe, que expressa argumentos duros e sem o menor sinal de empatia com a filha.

Eu ainda não assisti ao filme “X – A Marca da Morte”, lançado também em 2022, meses antes de Pearl, e que passa no ano de 1979, já com a protagonista em idade avançada. O filme termina com uma cena que lembra bastante, talvez até seja uma homenagem, provavelmente ao personagem principal do filme “O Homem que Ri”, de 1928, ainda que muita gente possa pensar que seja uma “coringada”, alusão bem definida do supervilão da DC Comics, muito mais popular no universo cinematográfico. De qualquer forma, relevo essa escorregada, já que estamos falando de uma história ambientada em 1918, tempo em que nenhum dos personagens havia sido criado. Mas entendo e estou de acordo com essa “licença poética”.

O monólogo final em que Pearl se coloca hipoteticamente diante do marido, mas que na verdade discursa o que sente e os atos cometidos para a sua cunhada (Misty, interpretada pela Emma Jenkins-Purro), é de uma atuação marcante (sem interrupções), colocou à prova o resultado de uma mente dominada por uma força inexplicável, concatenando ações com justificativas plausíveis sob sua perspectiva, tudo para ser absolvida antes mesmo de ser descoberta. Cena impactante que foi se desenrolando igual a um novelo, com gradações que foram escurecendo, se distanciando aos poucos do senso de realidade, tudo sendo conduzindo meticulosamente a uma parede intransponível. Mas não para ela, é claro! O filme é um prato cheio para psicanalistas e psicólogos, pois a história se concentra na construção de personagens perturbados por questões existenciais (e também genéticos) que desafiava os conceitos sociais e a literatura médica, sob o escopo vigente da época.

O filme “Pearl” está disponível no serviço de streaming Prime Video e tem a classificação indicativa não recomendável para menores de 16 anos.

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Dados técnicos:

Nome original do filme: Pearl.

Direção: Ti West.

Roteiro: Ti West e Mia Goth.

Duração: 102 minutos (com abertura e créditos finais).

Procedência: Estados Unidos e Canadá.

Ano de lançamento: 2022.

Disponível: Prime Video.


quinta-feira, 19 de dezembro de 2024

Ataque Alienígena (2020)


Por Daniel Gonçalves


Um filme que apresenta ambiguidade em seu tema central é no mínimo ousado. Por outro lado, a produção precisa ter uma narrativa convincente para não dispersar o telespectador, ainda que a ideia seja de outro planeta (pegaram a referência?!). O que temos aqui é “Ataque Alienígena”, lançamento de 2020 e que assisti no dia em que este texto foi ao ar, apesar que tenho que confessar que já havia assistido e que só lembrei disso após 15 minutos de tela. Mas segui em frente, a percepção “apagada” do meu gigante “cinzento” cerebral foi o principal motivo para repetir a experiência, que inescapavelmente teria um novo sabor de ineditismo.

Gosto de saber das teorias da conspiração que envolve ufologia, é um terreno bastante fértil e tudo pode se tornar uma verdade se for bem contada. Já o filme, com a seriedade britânica latente em toda a trama, não abre espaço para piadas ou qualquer outro tipo de alívio cômico. A atmosfera nevoada do princípio ao fim é uma cortina que ajuda a história ganhar um corpo resistente aos deslizes de interpretação. Na verdade, é muito difícil padronizar uma forma de comportamento de reações humanas quando a peça do outro lado é incompreensível. E os extraterrestres, desde os primórdios de suas histórias, é um prato cheio para as mais diversas teorias. Eu quero acreditar que os alienígenas existem, mas sempre me deparo com um “paredão” da falta de argumentos que sustentem minimamente essa possível existência.

Ponto positivo é o fato de não ser um filme arrastado para uma malemolência inútil, que muitas vezes leva nada a lugar algum, ao contrário, a tensão instalada é genuína e a busca por alternativas também merece o devido crédito. Tudo começa com a notícia de um suicídio em uma fazenda situada numa zona rural da Inglaterra, levando a sargento Zoe Norris (Katherine Drake) a ir ao local para investigar o caso. Chegando lá, em rápida conversa com a inconsolável viúva da vítima, presencia outro suicídio, de forma inexplicável a interlocutora resolve dar cabo à própria vida. Isso mexe com o “tico e o teco” da protagonista, que solicita apoio pelo rádio, mas sem sucesso. Aquela altura, os telefones e outras formas de comunicação já estavam em frangalhos. Apenas o rádio portátil ponto a ponto, na frequência da delegacia, ainda funcionava.

No caminho de volta ela se depara com um corpo degolado na estrada e resolve seguir um rastro de sangue. Ainda impactada pelos últimos acontecimento, entra na casa misteriosa e encontra um homem falando coisas desconexas, momento em que é confrontada pela primeira vez com um organismo vivo não identificado. Pouco depois, temos a primeira demonstração de que “estamos sendo invadidos”, uma gigante nave escura sobrevoa o nublado céu do entardecer, mostrando toda sua imponência diante da protagonista e também de nós, telespectadores. Da nave saltaram alguns robôs sem formato definido, mas nada amigáveis. Era algo como “fique para ser aniquilado” ou “corra para tentar salvar o seu pescoço”, esta última o caminho escolhido pela policial, que seguiu a toda velocidade para o lado oposto.

O segundo ato se passa em um bar, onde uma chacina já havia ocorrido. Um pequeno grupo de sobreviventes, liderado pelo outro policial da cidade, consegue se esconder das intenções hostis das máquinas vivas. Patrick (Ritchie Crane) é subordinado da sargento Norris e, por isso, aguarda dela as decisões sobre os próximos passos. O problema é que a protagonista, recém-chegada à região, vinda do Canadá por motivos pessoais, ainda não está familiarizada com o ambiente local. É interessante que os alienígenas finalmente se revelam, mas de forma fantasmagórica: figuras imponentes, com mais de 4 metros de altura, usando máscaras e vestindo capas de frei franciscano, que remetem aos tempos medievais.

Ainda sobre os seres gigantes de outro planeta, eles não dizem uma única palavra, caminham lentamente como se fosse uma alegoria carnavalesca (mas bizarra), e sua presença, mais do que qualquer outra coisa, causa pavor. O grupo, psicologicamente esfacelado pela iminência da morte, se vê em um dilema: permanecer escondido ou arriscar se mover para outro local, na tentativa de escapar de seus algozes. Encontram uma camionete e zarpam para outro lugar de “desenvolvimento” cinematográfico. A delegacia, que era para ser o bunker dos sobreviventes, acaba sendo um estorvo repleto de portas e janelas que mais deixam eles expostos do que protegidos (no filme é revelado que o local é um espaço negligenciado pelo governo). E as máquinas rapidamente chegam ao novo campo de batalha, acessando o local sem qualquer resistência.

Daí por diante é história de ficção científica para as pessoas com a “mente aberta”, que é refletida na questão da ambiguidade que levantei no início desta análise. Em nenhum momento é mostrado um ataque partindo dos alienígenas contra a vida humana. O que é mostrado nada mais é que uma retaliação justificada pelo ataque inicial feito pelos humanos, e a resposta é aplicada exemplarmente. Ocorre que a forma das intervenções se dá por meio de uma seringa aplicada no pescoço dos vitimados. Outro ponto que não mencionei é que algumas pessoas são afetadas por fortes dores de cabeça e também nos ouvidos, que chegam a sangrar. Não ficou claro o que de fato leva ao suicídio, talvez o som ensurdecedor que poderia causar algum estrago na mente dos mais suscetíveis a essa investida.

No final das contas, um filme que gostei pela honestidade em propor situações de fácil compreensão, e que deixa um importante recado sobre a ignorância, que muitas vezes leva a consequências irreparáveis. A cena no vagão de trem vira a cabeça de qualquer um do avesso e levanta muitas questões, como: “Será que os extraterrestres são realmente hostis?” ou “Eles querem destruir ou salvar o nosso planeta?”. Não consigo chegar a uma conclusão, mas o que sei, de forma pura e genuína, é que nada sei!

O filme “Ataque Alienígena” está disponível no serviço de streaming Looke e tem a classificação indicativa não recomendável para menores de 16 anos.

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Dados técnicos:

Nome original do filme: Alien Outbreak.

Direção: Neil Rowe.

Roteiro: Neil Rowe.

Duração: 84 minutos (com abertura e créditos finais).

Procedência: Reino Unido.

Ano de lançamento: 2020.

Disponível: Looke.

domingo, 15 de dezembro de 2024

Medo (2023)



Por Daniel Gonçalves

Terminei de assistir ao filme “Medo” com a empolgação reduzida em relação à expectativa criada pelo meu imaginário. Confesso que fiquei um tanto consternado por não ter experimentado o impacto que parecia prometido. A palavra “medo” tem um poder quase universal, tocando a essência do ser humano e refletindo nossa própria humanidade. Sentir medo é natural, é um mecanismo de defesa que nos previne de diversas situações, mas também atua contra nós, afetando nossas ações e decisões em quase todos os aspectos da vida. O filme, por sua vez, se mostra errático em vários momentos, ao misturar elementos bíblicos com a história das bruxas do século XVII.

A história está centrada em traumas do passado dos personagens, que acaba sendo revelado de bandeja para o telespectador logo no início, em uma roda de fogueira (noturna, é claro), onde cada um expõe o que mais perturba desde sempre em seus íntimos. Pessoas passando por problemas profissionais e psicológicos, impulsionado por uma grande pandemia viral (foi gravado na época da pandemia global da COVID-19), em que um deles tem a brilhante ideia de convidar a todos a passar um final de semana de reclusão numa grande mansão no meio do nada. Construção antiga, que foi restaurada após um grande incêndio que destruiu o prédio original. E será nesse casarão de veraneio que um espírito maligno precisa se alimentar para continuar assombrando o espaço.

A “dona” da pensão é uma velha senhora que mais parece a Bruxa do 71 (não sei como tive coragem de trazer Chaves para a conversa – risos), que no ato de boas-vindas fez questão de fotografar o grupo de turistas para fazer valer a tradição do lugar. Foto instantânea registrada por uma câmera polaroid descolada, gostei desse recurso tecnológico usado pela anfitriã. E outra coisa que mostra o avanço temporal do lugar é o ótimo sinal de Wi-Fi (os espíritos medievais mostrando que não ficam pra trás!). Mas antes de sair de cena, a velha senhora presenteia a galera com uma garrafa de vinho, presente aceito de muito bom grado. A partir desse momento alguns fatos isolados começam a acontecer, bem de leve, mas que começa a levantar as primeiras suspeitas do lugar.

Os personagens começam a confrontar seus medos, sendo que ninguém aparenta perder o controle das ações, exceto quando são pegos desprevenidos, em sonhos (ou pesadelos), por exemplo. A vigilância pessoal começa a ponto de todos serem ludibriados por um medo em comum: da pandemia que assola o planeta. Todos são convencidos por uma notícia na TV de que um poderoso vírus surgiu e a transmissão se dá por meio do ar, ou seja, são obrigados a ficar trancafiados no casarão. Esse foi o “pulo do gato” do filme, um gatilho coletivo que encurralou todos, sem exceção. E a medida que o grupo começa a explorar a casa, vão descobrindo coisas bizarras e desconexas, o que nos permite a divagar sobre realidade e imaginação. Bom, posso dizer que agora o filme de fato “começou”.

Uma das personagens toma a difícil decisão de sair do casarão para encontrar com seu filho (escolha acertada – pequeno spoiler), superando o medo em comum que envolve o grupo. A partir desse momento ladeira abaixo para todos que decidiram permanecer nas dependências daquela mansão. A casa revela ser uma espécie de organismo vivo, ainda que de relance por meio de sombras, maçanetas “nervosas”, goteiras surgidas de repente, mudanças na arte de quadros na parede, entre outras esquisitices, que faz cada um sucumbir em paranoias, resultando em automutilações forjadas a partir da crença em seus medos. Demorou um pouco para eles entenderem que estavam sendo caçados por um espírito faminto.

É nesse ponto que a história das bruxas entra em cena, mas, para minha surpresa, foi mal explorada. A relação entre o baú de fotografias encontrado em um dos grandes porões do local e os demais objetos descobertos – todos supostamente ligados a um culto secreto que venerava energias negativas, sustentando a alta densidade daquele ambiente – não ficou clara. Além disso, uma passagem bíblica recitada em voz alta serve para materializar a “água benta”, que exorciza o espírito maligno que ameaça devorar a alma de todos os presentes. No entanto, essa solução careceu de elementos que realmente me convencessem. Esse processo, aliado à falta de coragem, sugere que o verdadeiro antídoto para os obstáculos enfrentados pelos personagens é esvaziar a mente dos pensamentos que alimentam o medo pessoal. Isso enfraquece o poder do espírito maligno e devolve a sanidade, restaurando o autocontrole.

Um terror psicológico que se aproveita de fraquezas mal resolvidas na cabeça das pessoas, assumindo o controle das ações delas, muito para promover uma confusão emocional que pode levar a consequências irreversíveis, e não estou falando somente do pior resultado, identificado no óbito, mas também de traumas permanentes que pode afetar uma vida inteira. Eu entendi a proposta do filme, só não fiquei confortável com a areia movediça teatral dos primeiros quarenta minutos, uma espécie de “aquecimento” desnecessário, que desidratou o meu interesse em vários momentos. A foto do grupo, registrada pela polaroid, recuperada em certo momento e que mostrava os personagens ceifados com um borrão foi o clichê mais barato que eu vi em toda trama, superou até o vinho barato de 1938 que a galera tomou pensando que era do garbo de um D.V. Catena (risos).

O filme “Medo” está disponível no serviço de streaming MAX e tem a classificação indicativa não recomendável para menores de 12 anos.

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Dados técnicos:

Nome original do filme: Fear.

Direção: Deon Taylor.

Roteiro: Deon Taylor e John Ferry.

Duração: 99 minutos (com abertura e créditos finais).

Procedência: Estados Unidos da América.

Ano de lançamento: 2023.

Disponível: MAX.

sábado, 7 de dezembro de 2024

Show do Iron Maiden em São Paulo (2024)

Por Daniel Gonçalves

Sobram adjetivos para determinar a dimensão da experiência vivida após assistir um show do Iron Maiden. Espetacular, magistral, perfeito, avassalador, épico, maravilhoso e por aí vai, verdade é que há mais de 40 anos eles seguem dominando a cena do Heavy Metal como a referência para milhares de outras bandas. E esse filme se repetiu com vários ingredientes diferentes na noite do dia 06 de dezembro de 2024, no Allianz Parque, na cidade de São Paulo. O nome da turnê é “The Future Past” e o nosso Brasil foi escolhido para encerrar a longa estrada de shows da banda pelo planeta. Não sou jornalista e nem especialista em apontamentos com o dedo em riste para fazer uma análise minuciosa, técnica e moral a respeito de uma produção e “soltar os cachorros” aos que discordarem de mim. Ao contrário e muito pelo contrário, sou um apreciador de música e uso este espaço para boas conversas e relatar impressões pessoais.

Show com vendas praticamente esgotadas, para deixar tudo ainda melhor, a abertura ficou a cargo da extremamente competente banda de rock dinamarquesa VOLBEAT, que eu adoro. Surgida em 2001, mistura heavy metal e hard rock sem exagerar em nenhuma dessas cozinhas. Uma banda que contagia pela qualidade instrumental e também presença de palco do seu vocalista e guitarrista, Michael Poulsen, uma simpatia que merece destaque. E ele subiu ao palco vestindo uma camiseta da banda brasileira de thrash metal Sepultura, que não tenho problemas em dizer que não curto, já que o som gutural é a marca registrada deles e exatamente o oposto do que eu aprecio dentro da música. Mas a homenagem ganhou pontos junto ao público presente, em que pese a esmagadora maioria ser de fãs da donzela de ferro.

Um calor daqueles para apreciador do deserto sentir inveja, de tão árido que estava. Eu apostaria sem pensar muito em 35º graus ambiente, o que me levou diretamente ao copo de cerveja. Olha aí o tal processo de “uma coisa levando à outra”. Fiquei na Pista Premium, local mais próximo do palco e que permite uma visão privilegiada do show. Achei (sem ter base científica alguma) de que os organizadores “alargaram” um pouquinho esse espaço de excelência, muito provavelmente pelo “aperto” econômico que a nossa pátria amada enfrenta. Sempre quando alguém me pergunta de quem é a culpa, eu recorro ao saudoso Seu Madruga, que em sua melhor fase responde que a “culpa é dos energéticos” (risos). Nem sei porque cheguei nesse assunto desconexo, deve ser o meu deficit de atenção.

A banda VOLBEAT, que estava de férias desde algum mês de 2023, topou abrir as cortinas para o Iron Maiden nos shows em São Paulo. Somente em São Paulo, que honra! O quarteto que se transforma em cinco no show (já que Michael Poulsen acumula voz e guitarra) subiu ao palco pontualmente às 19h10 e tocou 12 músicas, confesso que me vi pulando em faixas como “Shotgun Blues”, “Seal the Deal” e a derradeira “Still Counting”. Baladas como “Fallen” e “For Evigt” foram bem encaixadas no setlist, essa última com direito a aparelhos móveis acesos por todo o estádio, realmente ficou muito bonito e deve ter comovido a banda. O show durou cerca de 1 hora, garanto que sairão do Brasil com novos fãs, nada como um foguete chamado Iron Maiden para alavancar outras bandas (não que eles precisassem, mas toda ajudinha sempre é bem-vinda).

O único ponto negativo do show do VOLBEAT foi o fato de terem tocado com os telões desligados, isso deixou o show bem “cru” do ponto de vista tecnológico e de acessibilidade (quem ficou na arquibancada do outro lado do estádio certamente deve ter reclamado – e com razão). Mas aí conversando com fontes próximas, fui informado que isso é uma imposição normal feita pelo Iron Maiden (eles são quem são, podem mandar e desmandar, paciência). Estava na companhia de amigos e foram unânimes em elogiar a performance dos dinamarqueses. Só para pontuar, a formação do VOLBEAT hoje é: Michael Poulsen (voz e guitarra), Jon Larsen (bateria), Kaspar Boye Larsen (baixo elétrico) e Flemming C. Lund, guitarrista de turnês, no lugar do Rob Caggiano, que infelizmente deixou a banda tempos atrás. Para mim o show foi perfeito.

Setlist do VOLBEAT

1. The Devil’s Bleeding Crown

2. Lola Montez

3. Sad Man’s Tongue (com trecho de “Ring of Fire”, de Johnny Cash)

4. A Warrior’s Call

5. Black Rose

6. Wait a Minute My Girl

7. Shotgun Blues

8. Fallen

9. Seal the Deal

10. The Devil Rages On

11. For Evigt

12. Still Counting

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Agora vou falar do show principal, o poderoso Iron Maiden, e destaco que foi a terceira vez que tive a oportunidade de vê-los pessoalmente. Nas duas anteriores havia sido no estádio do Morumbi, também em São Paulo, nos anos de 2019 e 2022, respectivamente. E como estatística barata e sem relevância alguma (a não ser para mim), foi a menor distância que a banda já esteve se tomar por base a minha residência (11,2Km – no Morumbi era mais de 20Km). Eu curti, afinal, posso dizer que a banda esteve bem pertinho da minha realidade territorial (risos). Chega de devaneios, hora de esmiuçar a minha valiosa experiência de ter testemunhando mais um espetáculo memorável. E a pontualidade britânica fez o show começar mais cedo do que o previsto, às 20h50.

A música tema de abertura foi novamente (e felizmente) a “Doctor Doctor”, clássico atemporal da banda de rock UFO. E toda vez que escuto essa música numa atmosfera como a que eu estava inserido não tem como não me arrepiar, virou um hino de entrada para uma verdadeira viagem prestes a começar. Aos fanáticos por Iron de plantão já aviso que eu não conheço a banda nos mínimos detalhes, me tornei fã mais pelo conjunto da imensa obra que os caras ergueram na História do Rock do que o inexplicável apelo emocional instantâneo que geralmente ocorre quando gostamos de algo logo de cara. E vou arrumar discórdia generalizada, já que o último álbum deles, o “Senjutsu” é para mim um bálsamo para os ouvidos. Sem precisar desmerecer ou reduzir a importância dos clássicos, que também gosto, mas sem a energia inexplicável que sinto ao escutar o último lançamento de estúdio.

A música “ Caught Somewhere in Time”, do álbum Somewhere in Time, de 1986, abriu o show de forma nostálgica e para muitos uma correção de percurso um tanto curioso, já que não era executada ao vivo desde 1987. Eu não sabia disso até pesquisar nos sites especializados. Na sequência teve “Stranger in a Strange Land”, também lado B, mais pelo tempo que ficou guardada na prateleira da banda – não era tocada desde 1999, me deixou estático, pois não queria perder uma palhetada da execução. E foi tudo tão perfeito. Belíssimo solo de guitarra, tão atual, tão presente. E o salto temporal foi direto para “The Writing on the Wall”, do álbum que tanto gosto, o Senjutsu. Dessa vez não teve cenário teatral, como em turnês anteriores, para mim ficou algo mais prático e funcional, apenas a presença indispensável do boneco gigante do Eddie, em diversas fases, do passado ao futuro.

E o show seguiu com mais duas músicas atuais, a curtinha “Days of Future Past” e a “The Time Machine”, que retoma uma extensão mais longa e que eu aprecio bastante. A linha vocal do Bruce Dickinson, ainda que não seja a que mais agrada os meus ouvidos (por questão absoluta de gosto pessoal e não por qualquer outra razão), consegue me entusiasmar pelo perfeito acabamento, que é assombroso um cara no alto dos seus 66 anos atingir notas tão complexas. O meu aplauso com o melhor vigor possível, com respeito e admiração. Passado e presente se intercalando, já que 1982 é o destino da próxima parada, com “The Prisioner”, do álbum “The Number of the Beast” (cuja famosa faixa homônima ficou de fora dessa vez). O público cativo do Iron Maiden é surreal, todos cantando, com ou sem presteza no inglês, mas é notável o que essa banda eternizou no espírito dos fãs. Detalhe para o número considerável de crianças, pelo menos na Pista Premium, isso é um ótimo sinal para o cultivo do presente.

Como eu gosto do álbum Senjutsu, e de repente voltamos ao “presente passado” com a faixa “Death of the Celts”, com um andamento lento na abertura, mas que seus 10 e tantos minutos fizeram jus a uma passagem épica. Felicidade e satisfação para entrar de corpo e alma naquela atmosfera medieval. Uma música que só é datada para o explicar o recorte histórico da narrativa, com guitarras altas tanto na base quanto no protagonismo dos belíssimos solos. Enquanto escrevo minhas memórias do show, essa faixa já foi repetida umas 3 vezes no meu streaming. Em seguida a poderosa “Can I Play With Madness”, do álbum Seventh Son of a Seventh Son, de 1988, outra daquelas pedradas rápidas e de refrão grudento. Fiquei com essa música na cabeça por toda a noite. E a “Heaven Can Wait” fez o Eddie surgir novamente, dessa vez para um intenso duelo bélico (momento do show em que o Bruce Dickinson descobre uma arma de fogo estática e um show de efeitos recai sobre o palco).

Um grande tributo ao essencial Somewhere in Time, com mais uma faixa, dessa vez a épica “Alexander the Great”, que estranhamente nunca havia sido tocada ao vivo até a presente turnê. As redes sociais entraram em polvorosa quando essa música passou a compor o setlist fixo dos shows de 2024. O público enlouqueceu já nos primeiros acordes, a volúpia por essa música era tamanha que era possível ver a reação diversa do público, entre aplausos ora sincronizados ora como reação espontânea. Momento de luzes dos aparelhos celulares ligados para ser o pano de fundo da clássica e necessariamente repetida “Fear of the Dark”, que encanta a cada nova execução, independente se isso incomoda os fãs mais raízes da banda. A inquietação de parte do exército de seguidores da Donzela de Ferro se dá mais pelo fato dessa faixa ter “furado a bolha” do que pela qualidade sonora dela em si. O undergrond talvez sinta falta dessa “exclusividade”.

A essa altura da noite, o clima na cidade enfim arrefecia para uma temperatura mais fresca, com pequenos sopros do vento. E também de certa forma um sinal de que o show se encaminhava para o final. Dito e feito, a pesada “Iron Maiden” foi o último ato antes do BIS (não chocolate, mas o plus do show em que a banda se ausenta por alguns minutos do palco antes da retomada final). No momento em que “Hell on Earth” começou a ser executada, fiquei muito surpreso por ainda ter tempo para Senjutsu no show, pelo visto a banda gosta do álbum, o que para mim só ratifica a qualidade do material. Épica que encerra o álbum mas não o show! A voz só entra após a metade do terceiro minuto, antes disso uma grandiosa introdução toda em cordas e baquetas. O público ovaciona o poder vocal do Bruce Dickinson, que extraiu um câncer na língua há quase 10 anos e ainda assim promove espetáculos memoráveis de altíssimo nível. A régua é exigente e Dickinson se mostra absolutamente à vontade para gastar a voz em TODAS as faixas. Um herói!

Para alegria geral da nação, temos a penúltima faixa, a vibrante “The Trooper”, do álbum Piece of Mind, de 1983, que chega com o “pé na porta” e tira todo mundo do chão. Sonoridade muito atual, envelheceu tão bem quanto um bom vinho. E o passado na condição de soma de experiências, boas e ruins, surge para o último ato, com “Wasterd Years”, que chancela e eterniza uma noite memorável no Allianz Parque. Aqueles riffs iniciais que são reconhecidos de bate pronto, com a voz ainda bem operística do Bruce Dickinson. E com ela o show chega ao fim. Nem preciso “quero mais”, o que foi entregue nessa noite é o que precisava para alimentar a minha alma. Satisfeito.

O texto ficou um pouco extenso, mas penso que era necessário realizar esta imersão, pois não tem como descrever em poucas linhas aquilo que foi um importante capítulo do rock e que tive a chance faraônica de prestigiar in loco. Só um detalhe técnico, probleminha que apareceu em um dos grandes telões laterais do palco, principalmente naquele em que eu estava mais próximo (esquerda), uma falha na reprodução do vídeo, o que vai deixar uma “marquinha” imperfeita nas gravações amadoras.

Setlist do IRON MAIDEN

INTRODUÇÃO: “Doctor Doctor” (UFO) + “Blade Runner” (“End Titles”) – som mecânico.

1. Caught Somewhere in Time

2. Stranger in a Strange Land

3. The Writing on the Wall

4. Days of Future Past

5. The Time Machine

6. The Prisoner

7. Death of the Celts

8. Can I Play With Madness

9. Heaven Can Wait

10. Alexander the Great

11. Fear of the Dark

12. Iron Maiden

Encore:

13. Hell on Earth

14. The Trooper

15. Wasted Years

Som mecânico: “Always Look on the Bright Side of Life” (Monty Python).