Por Daniel Gonçalves
Sobram adjetivos para determinar a dimensão da experiência vivida após assistir um show do Iron Maiden. Espetacular, magistral, perfeito, avassalador, épico, maravilhoso e por aí vai, verdade é que há mais de 40 anos eles seguem dominando a cena do Heavy Metal como a referência para milhares de outras bandas. E esse filme se repetiu com vários ingredientes diferentes na noite do dia 06 de dezembro de 2024, no Allianz Parque, na cidade de São Paulo. O nome da turnê é “The Future Past” e o nosso Brasil foi escolhido para encerrar a longa estrada de shows da banda pelo planeta. Não sou jornalista e nem especialista em apontamentos com o dedo em riste para fazer uma análise minuciosa, técnica e moral a respeito de uma produção e “soltar os cachorros” aos que discordarem de mim. Ao contrário e muito pelo contrário, sou um apreciador de música e uso este espaço para boas conversas e relatar impressões pessoais.
Show com vendas praticamente esgotadas, para deixar tudo ainda melhor, a abertura ficou a cargo da extremamente competente banda de rock dinamarquesa VOLBEAT, que eu adoro. Surgida em 2001, mistura heavy metal e hard rock sem exagerar em nenhuma dessas cozinhas. Uma banda que contagia pela qualidade instrumental e também presença de palco do seu vocalista e guitarrista, Michael Poulsen, uma simpatia que merece destaque. E ele subiu ao palco vestindo uma camiseta da banda brasileira de thrash metal Sepultura, que não tenho problemas em dizer que não curto, já que o som gutural é a marca registrada deles e exatamente o oposto do que eu aprecio dentro da música. Mas a homenagem ganhou pontos junto ao público presente, em que pese a esmagadora maioria ser de fãs da donzela de ferro.
Um calor daqueles para apreciador do deserto sentir inveja, de tão árido que estava. Eu apostaria sem pensar muito em 35º graus ambiente, o que me levou diretamente ao copo de cerveja. Olha aí o tal processo de “uma coisa levando à outra”. Fiquei na Pista Premium, local mais próximo do palco e que permite uma visão privilegiada do show. Achei (sem ter base científica alguma) de que os organizadores “alargaram” um pouquinho esse espaço de excelência, muito provavelmente pelo “aperto” econômico que a nossa pátria amada enfrenta. Sempre quando alguém me pergunta de quem é a culpa, eu recorro ao saudoso Seu Madruga, que em sua melhor fase responde que a “culpa é dos energéticos” (risos). Nem sei porque cheguei nesse assunto desconexo, deve ser o meu deficit de atenção.
A banda VOLBEAT, que estava de férias desde algum mês de 2023, topou abrir as cortinas para o Iron Maiden nos shows em São Paulo. Somente em São Paulo, que honra! O quarteto que se transforma em cinco no show (já que Michael Poulsen acumula voz e guitarra) subiu ao palco pontualmente às 19h10 e tocou 12 músicas, confesso que me vi pulando em faixas como “Shotgun Blues”, “Seal the Deal” e a derradeira “Still Counting”. Baladas como “Fallen” e “For Evigt” foram bem encaixadas no setlist, essa última com direito a aparelhos móveis acesos por todo o estádio, realmente ficou muito bonito e deve ter comovido a banda. O show durou cerca de 1 hora, garanto que sairão do Brasil com novos fãs, nada como um foguete chamado Iron Maiden para alavancar outras bandas (não que eles precisassem, mas toda ajudinha sempre é bem-vinda).
O único ponto negativo do show do VOLBEAT foi o fato de terem tocado com os telões desligados, isso deixou o show bem “cru” do ponto de vista tecnológico e de acessibilidade (quem ficou na arquibancada do outro lado do estádio certamente deve ter reclamado – e com razão). Mas aí conversando com fontes próximas, fui informado que isso é uma imposição normal feita pelo Iron Maiden (eles são quem são, podem mandar e desmandar, paciência). Estava na companhia de amigos e foram unânimes em elogiar a performance dos dinamarqueses. Só para pontuar, a formação do VOLBEAT hoje é: Michael Poulsen (voz e guitarra), Jon Larsen (bateria), Kaspar Boye Larsen (baixo elétrico) e Flemming C. Lund, guitarrista de turnês, no lugar do Rob Caggiano, que infelizmente deixou a banda tempos atrás. Para mim o show foi perfeito.
Setlist do VOLBEAT
1. The Devil’s Bleeding Crown
2. Lola Montez
3. Sad Man’s Tongue (com trecho de “Ring of Fire”, de Johnny Cash)
4. A Warrior’s Call
5. Black Rose
6. Wait a Minute My Girl
7. Shotgun Blues
8. Fallen
9. Seal the Deal
10. The Devil Rages On
11. For Evigt
12. Still Counting
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Agora vou falar do show principal, o poderoso Iron Maiden, e destaco que foi a terceira vez que tive a oportunidade de vê-los pessoalmente. Nas duas anteriores havia sido no estádio do Morumbi, também em São Paulo, nos anos de 2019 e 2022, respectivamente. E como estatística barata e sem relevância alguma (a não ser para mim), foi a menor distância que a banda já esteve se tomar por base a minha residência (11,2Km – no Morumbi era mais de 20Km). Eu curti, afinal, posso dizer que a banda esteve bem pertinho da minha realidade territorial (risos). Chega de devaneios, hora de esmiuçar a minha valiosa experiência de ter testemunhando mais um espetáculo memorável. E a pontualidade britânica fez o show começar mais cedo do que o previsto, às 20h50.
A música tema de abertura foi novamente (e felizmente) a “Doctor Doctor”, clássico atemporal da banda de rock UFO. E toda vez que escuto essa música numa atmosfera como a que eu estava inserido não tem como não me arrepiar, virou um hino de entrada para uma verdadeira viagem prestes a começar. Aos fanáticos por Iron de plantão já aviso que eu não conheço a banda nos mínimos detalhes, me tornei fã mais pelo conjunto da imensa obra que os caras ergueram na História do Rock do que o inexplicável apelo emocional instantâneo que geralmente ocorre quando gostamos de algo logo de cara. E vou arrumar discórdia generalizada, já que o último álbum deles, o “Senjutsu” é para mim um bálsamo para os ouvidos. Sem precisar desmerecer ou reduzir a importância dos clássicos, que também gosto, mas sem a energia inexplicável que sinto ao escutar o último lançamento de estúdio.
A música “ Caught Somewhere in Time”, do álbum Somewhere in Time, de 1986, abriu o show de forma nostálgica e para muitos uma correção de percurso um tanto curioso, já que não era executada ao vivo desde 1987. Eu não sabia disso até pesquisar nos sites especializados. Na sequência teve “Stranger in a Strange Land”, também lado B, mais pelo tempo que ficou guardada na prateleira da banda – não era tocada desde 1999, me deixou estático, pois não queria perder uma palhetada da execução. E foi tudo tão perfeito. Belíssimo solo de guitarra, tão atual, tão presente. E o salto temporal foi direto para “The Writing on the Wall”, do álbum que tanto gosto, o Senjutsu. Dessa vez não teve cenário teatral, como em turnês anteriores, para mim ficou algo mais prático e funcional, apenas a presença indispensável do boneco gigante do Eddie, em diversas fases, do passado ao futuro.
E o show seguiu com mais duas músicas atuais, a curtinha “Days of Future Past” e a “The Time Machine”, que retoma uma extensão mais longa e que eu aprecio bastante. A linha vocal do Bruce Dickinson, ainda que não seja a que mais agrada os meus ouvidos (por questão absoluta de gosto pessoal e não por qualquer outra razão), consegue me entusiasmar pelo perfeito acabamento, que é assombroso um cara no alto dos seus 66 anos atingir notas tão complexas. O meu aplauso com o melhor vigor possível, com respeito e admiração. Passado e presente se intercalando, já que 1982 é o destino da próxima parada, com “The Prisioner”, do álbum “The Number of the Beast” (cuja famosa faixa homônima ficou de fora dessa vez). O público cativo do Iron Maiden é surreal, todos cantando, com ou sem presteza no inglês, mas é notável o que essa banda eternizou no espírito dos fãs. Detalhe para o número considerável de crianças, pelo menos na Pista Premium, isso é um ótimo sinal para o cultivo do presente.
Como eu gosto do álbum Senjutsu, e de repente voltamos ao “presente passado” com a faixa “Death of the Celts”, com um andamento lento na abertura, mas que seus 10 e tantos minutos fizeram jus a uma passagem épica. Felicidade e satisfação para entrar de corpo e alma naquela atmosfera medieval. Uma música que só é datada para o explicar o recorte histórico da narrativa, com guitarras altas tanto na base quanto no protagonismo dos belíssimos solos. Enquanto escrevo minhas memórias do show, essa faixa já foi repetida umas 3 vezes no meu streaming. Em seguida a poderosa “Can I Play With Madness”, do álbum Seventh Son of a Seventh Son, de 1988, outra daquelas pedradas rápidas e de refrão grudento. Fiquei com essa música na cabeça por toda a noite. E a “Heaven Can Wait” fez o Eddie surgir novamente, dessa vez para um intenso duelo bélico (momento do show em que o Bruce Dickinson descobre uma arma de fogo estática e um show de efeitos recai sobre o palco).
Um grande tributo ao essencial Somewhere in Time, com mais uma faixa, dessa vez a épica “Alexander the Great”, que estranhamente nunca havia sido tocada ao vivo até a presente turnê. As redes sociais entraram em polvorosa quando essa música passou a compor o setlist fixo dos shows de 2024. O público enlouqueceu já nos primeiros acordes, a volúpia por essa música era tamanha que era possível ver a reação diversa do público, entre aplausos ora sincronizados ora como reação espontânea. Momento de luzes dos aparelhos celulares ligados para ser o pano de fundo da clássica e necessariamente repetida “Fear of the Dark”, que encanta a cada nova execução, independente se isso incomoda os fãs mais raízes da banda. A inquietação de parte do exército de seguidores da Donzela de Ferro se dá mais pelo fato dessa faixa ter “furado a bolha” do que pela qualidade sonora dela em si. O undergrond talvez sinta falta dessa “exclusividade”.
A essa altura da noite, o clima na cidade enfim arrefecia para uma temperatura mais fresca, com pequenos sopros do vento. E também de certa forma um sinal de que o show se encaminhava para o final. Dito e feito, a pesada “Iron Maiden” foi o último ato antes do BIS (não chocolate, mas o plus do show em que a banda se ausenta por alguns minutos do palco antes da retomada final). No momento em que “Hell on Earth” começou a ser executada, fiquei muito surpreso por ainda ter tempo para Senjutsu no show, pelo visto a banda gosta do álbum, o que para mim só ratifica a qualidade do material. Épica que encerra o álbum mas não o show! A voz só entra após a metade do terceiro minuto, antes disso uma grandiosa introdução toda em cordas e baquetas. O público ovaciona o poder vocal do Bruce Dickinson, que extraiu um câncer na língua há quase 10 anos e ainda assim promove espetáculos memoráveis de altíssimo nível. A régua é exigente e Dickinson se mostra absolutamente à vontade para gastar a voz em TODAS as faixas. Um herói!
Para alegria geral da nação, temos a penúltima faixa, a vibrante “The Trooper”, do álbum Piece of Mind, de 1983, que chega com o “pé na porta” e tira todo mundo do chão. Sonoridade muito atual, envelheceu tão bem quanto um bom vinho. E o passado na condição de soma de experiências, boas e ruins, surge para o último ato, com “Wasterd Years”, que chancela e eterniza uma noite memorável no Allianz Parque. Aqueles riffs iniciais que são reconhecidos de bate pronto, com a voz ainda bem operística do Bruce Dickinson. E com ela o show chega ao fim. Nem preciso “quero mais”, o que foi entregue nessa noite é o que precisava para alimentar a minha alma. Satisfeito.
O texto ficou um pouco extenso, mas penso que era necessário realizar esta imersão, pois não tem como descrever em poucas linhas aquilo que foi um importante capítulo do rock e que tive a chance faraônica de prestigiar in loco. Só um detalhe técnico, probleminha que apareceu em um dos grandes telões laterais do palco, principalmente naquele em que eu estava mais próximo (esquerda), uma falha na reprodução do vídeo, o que vai deixar uma “marquinha” imperfeita nas gravações amadoras.
Setlist do IRON MAIDEN
INTRODUÇÃO: “Doctor Doctor” (UFO) + “Blade Runner” (“End Titles”) – som mecânico.
1. Caught Somewhere in Time
2. Stranger in a Strange Land
3. The Writing on the Wall
4. Days of Future Past
5. The Time Machine
6. The Prisoner
7. Death of the Celts
8. Can I Play With Madness
9. Heaven Can Wait
10. Alexander the Great
11. Fear of the Dark
12. Iron Maiden
Encore:
13. Hell on Earth
14. The Trooper
15. Wasted Years
Som mecânico: “Always Look on the Bright Side of Life” (Monty Python).
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