segunda-feira, 28 de outubro de 2024

Armadilha (2024)



Por Daniel Gonçalves


Quando eu penso em escrever sobre um filme ou um álbum de rock, dificilmente eu planejo com antecedência as palavras que usarei. É bem provável que a energia do momento será a grande responsável pela minha linha de raciocínio. Isso é bom para o texto sair mais leve, sem pressão por resultado e assim manter uma aura de espontaneidade. Curioso mesmo é a minha disposição em escrever sobre filmes, deixando os bons álbuns do universo rock ao reduzido comentário de rodapé de postagens curtas (limitadas por caracteres) no Instagram. Quem sabe um CD na próxima conversa?!

O filme que venho rascunhar é daqueles que parte da crítica especializada adora descer a lenha por não ter correspondido à 7ª Arte de suas expectativas. Quando vi o título “Armadilha”, logo pensei no longa de 1999, com Sean Connery e Catherine Zeta-Jones, mas a ideia dissipou-se no mesmo minuto. A produção fresquinha lançada em 2024 tem a assinatura de roteiro e direção por nada menos que M. Night Shyamalan, que conduziu ótimas produções nos últimos 25 anos. E é aí que começa a confusão por parte de muitos, no quesito “proposta de entretenimento”. Eu me incluo nessa galera, já que nunca fui lá de gravar nomes de diretores e outros que tais de ordem de produção e etc.

O filme começa com Cooper (Josh Hartnett) levando sua filha adolescente Riley (Ariel Donoghue) a um mega show pop previsto para ocorrer na cidade. Trazendo para a realidade, o show é equivalente ao que seria uma apresentação da “Katy Perry”, com uma legião de fãs enlouquecida pela artista. O local do evento é cercado por um batalhão de policiais, o que já desperta um sinalzinho de alerta no cérebro de quem está prestando atenção na história. Dentro do show, outra quantidade incomum de seguranças, mas ninguém ali está se importando com esse fato, exceto pelo aparente desconforto apresentado por Cooper, pai afetuoso que acompanha a filha nessa empreitada pop.

O show começa e muita pirotecnia envolve completamente a atenção das crianças e adolescentes ali presentes, enquanto que o nosso protagonista fica inquieto olhando para os lados buscando algum ponto em que não tem policiais de vigília (impossível essa observação não ser um sinal importante daqui para a frente). E a filha só curtindo, praticamente hipnotizada pela atmosfera. Durante o primeiro intervalo (sim, houve váriooooos intervalos), eles “passeiam” pela área comum do evento, e por acaso Cooper puxa conversa com um vendedor de camisetas da estrela da festa “Lady Raven”, interpretada pela Saleka Shyamalan (pura coincidência familiar em relação ao dono do filme – risos). E mais imperceptível ainda a quantidade de músicas da jovem cantora postas quase que na íntegra (tá bom, ela é filha do chefe – risos).

Avançando algumas “casas” no tabuleiro, graças ao green card do diretor, que facilita a vida do protagonista e também de quem está assistindo, e pela informação do nosso querido vendedor tagarela, é possível saber que o show é um grande plano engendrado pelo FBI para prender o famoso assassino conhecido pelo nome de “Açougueiro”, serial killer que aterroriza a região há tempos. Pelo fato do diretor entregar de bandeja algumas informações logo no início, talvez seja isso que deixou os especialistas youtubenses irados! Mas eu gostei, nem todo filme precisa ser uma fortaleza de enigmas que só se revelam na última cena.

Daí por diante, só pastelaria ao melhor óleo fervente, onde alguns impasses são resolvidos prontamente pelo diretor e também ator (sim, o dono faz ponta e “ponte” no show no papel de tio da Lady Raven). Sem dar maiores spoilers, ainda que alguns sejam inevitáveis, uma sequência maluca ocorre depois do show, com reviravoltas interessantes, algumas óbvias, mas tudo pensado para ser dessa forma, em nenhum momento percebi a intenção de fazer o telespectador de idiota. No final das contas, o spoiler fornecido gratuitamente merece ser criticado? Não seria criticado de qualquer forma se a descoberta ocorresse pelo “pseudo-youtuber” no caso de discordar da forma? Difícil agradar esse povo, hein?!

Somente eu que notei um filme com suspense, comédia, drama, aventura e terror psicológico ao mesmo tempo? Aliás, fico me perguntando se eu sou um dos poucos que não caiu na “armadilha” (pegaram a referência?!) de achar que o filme é ruim somente pelo fato de entregar uma quantidade acima da média de informações privilegiadas acerca das soluções de conflitos. Eu não reclamei em nenhum momento, já que nem sempre visto a capa do Sherlock Holmes e saio por aí decifrando crimes com minha lupa e cachimbo Peterson (fazendo jabá grátis - risos). Tem dia que estou mais para Garfield, em que a melhor coisa que faço é deitar e relaxar diante de uma produção leve e despretensiosa.

E só pra lembrar, o diretor M. Night Shyamalan assina produções como “O Sexto Sentido” (1999) e “Sinais” (2002), para ficar só nesses.

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Dados técnicos:

Nome original do filme: Trap.

Direção: M. Night Shyamalan.

Roteiro: M. Night Shyamalan.

Duração: 105 minutos (com abertura e créditos finais).

Procedência: EUA.

Ano de lançamento: 2024.

Disponível: Max (serviço pago de streaming).


domingo, 13 de outubro de 2024

A Conferência (2022)



Por Daniel Gonçalves

O peso de escrever a respeito de algo que aconteceu num passado não muito distante, separado por menos de um século, é desafiador por diversas razões. Os tempos são outros, as experiências foram outras, o mundo tinha uma configuração social, política e econômica muito diferente da que vivemos hoje. Mas existe uma similaridade que une tudo, independente do espaço em que as coisas ocorreram: os seres humanos. Pelo menos na essência de nascimento, sem entrar no mérito de atitudes tomadas no decorrer de suas vidas, apenas como ponto de partida pela lei da origem da vida.

Fui orientado desde muito cedo a sempre ter disposição para aprender as coisas, e isso logo passou a ser natural em meus pensamentos, o saber mais e mais cria oportunidades de transformação para as mudanças necessárias na busca incessante pelo convívio justo e harmonioso com meus semelhantes. Sinto em mim uma empatia latente pelos que padecem, mas o meu alcance de assimilação jamais se avizinhará com aqueles que sofreram os piores horrores em vida que um ser humano já experimentou. Contextualizando, estou me referindo a quem viveu, conviveu, respirou, chorou, sofreu e caiu em guerras.

Nesse cenário, ainda enojado pelos sórdidos diálogos trazidos no filme “A Conferência”, produzido na Alemanha e lançado em 2022, senti urgência em colocar em palavras escritas toda a minha indignação e repulsa com ilações repugnantes feitas contra o povo judeu. Novamente movido por um sentimento de curiosidade, descobri que existe um documentário alemão que aborda a mesmo tema, de 1984, talvez a primeira grande referência no assunto em termos cinematográficos, além do filme “Conspiração”, de 2001, que igualmente joga luz sobre um momento perigosíssimo para o destino da humanidade.

O dia 20 de janeiro de 1942 foi marcado por um dos momentos mais retrógrados desde o surgimento do planeta Terra e da notícia da existência de formas de vida humana. Sem qualquer sinal de exagero na colocação anterior, a materialização da minha perplexidade ocorreu na reunião marcada no subúrbio de Wannsee, sudoeste de Berlim (capital da Alemanha). Conhecida como “A Conferência de Wannsee”, o evento foi comandando pelo general da SS Reinhard Heydrich (1904-1942), e contou com a presença de 14 autoridades da alta cúpula do Governo da Alemanha Nazista (Secretários de Estado) e integrantes do Partido Nazista, mais conhecidas como SS (organizações paramilitares).

O tema central da reunião que durou cerca de 90 minutos foi a “Solução Final para a Questão Judaica na Europa”. Em outras palavras os detalhes logísticos para o completo extermínio dos judeus, com a ideia de reorganização da Europa a partir de uma nova colonização mundial liderada pela raça ariana (ideia de pureza criada pelos nazistas na sua figura maior – Adolf Hitler). Os debates foram seguidos de risadas debochadas, racistas, antissemitas e de toda ordem preconceituosa e desumana possível. Naquele salão foram desencadeados os piores sentimentos (se é que se posse qualificar dessa forma) sobre um semelhante humano.

A história desenvolvida para as telas é construída a partir da obtenção dos autos da conferência, mas os fatos são todos efetivos e reais, cuja comprovação não tardou a ser colocada em prática, com os desdobramentos que ocorreram após aquele evento. O diálogo, ainda que fictício, é praticamente indiscutível de ser contestado, pois o que se viu dali por diante deixa margem para ser pior do que foi apresentado no filme. Os judeus e grupos considerados “inferiores” são tratados como mercadorias, sem qualquer escrúpulo de consciência, sendo alvos constantes de piadas e termos pejorativos do tipo “parasitas” e outras menções depreciativas. Cada representante da reunião tem uma preocupação particular com o território que administra, relevando à condição do judeu à algo desprovido de qualquer importância, exceto pelos bens materiais apreendidos no ato das prisões motivados pelos rituais nazistas de segregação.

Outro ponto discutido foi a questão dos “meio-judeus”, aqueles que possuem sangue alemão fruto da relação matrimonial entre alemães puros com pessoas de origem judia. Opiniões de toda sorte, desde os radicais que externaram a vontade de exterminar todos, em favor do rápido processo de arianização do povo alemão, confrontada por posições “moderadas” (mas não contrárias), como, por exemplo, estabelecer que os idosos acima de 65 anos sejam instalados em campos de concentração específicos e assim terem o destino natural selado e erradicado para sempre. Dos 11 milhões de judeus residentes na Europa, quantidade estimada àquela altura, sabemos que os nazistas conseguiram assassinar com o Holocausto um total de 6 milhões de vidas.

O descompromisso com a própria história alemã recente é de uma negligência moral de cair não só o queixo, mas qualquer tentativa de tentar saber de onde surgiu o sentimento encolerizado pelo povo judeu. Judeus que lutaram ao lado dos alemães na Grande Guerra (1914-1918) foram descartados e varridos como poeira cósmica, a desfaçatez dos presentes naquela reunião somada à completa e acabada falta de empatia revelaram um veneno moral de proporções inexplicáveis. E a cada concordância coletiva, um “salve” com uma sequência rápida de socos na mesa, em tom de assertividade da loucura mental instalada naquele ambiente contaminado por mentes doentias.

Dessa forma, encerro por hora as minhas considerações acerca desse filme, sem deixar de manter a ininterrupta missão de vigilância e também de seguir na complexa trajetória das pesquisas visando o melhor entendimento das ações humanas do passado, presente e até mesmo do futuro (ainda que isso seja somente um exercício de alcance de estimativas). A tarefa não é fácil, mas é o único caminho contributivo que tenho, para que tentativas de ações minimamente parecidas com as que foram conduzidas na Segunda Guerra Mundial sejam evitadas.

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Dados técnicos:

Nome original do filme: Die Wannseekonferenz.

Direção: Matti Geschonneck.

Roteiro: Magnus Vattrodt e Paul Mommertz.

Duração: 108 minutos (com abertura e créditos finais).

Procedência: Alemanha.

Ano de lançamento: 2021.

Disponível: Prime Video e Looke (ambos serviços pagos de streaming).

sábado, 5 de outubro de 2024

Acampamento Maldito (2019)



Por Daniel Gonçalves

Pois bem, não imaginava que o meu retorno ao blog fosse para falar de filme, mas isso não é um problema, ao contrário, me sinto absolutamente à vontade dentro de assuntos cinematográficos. Longe de ser um especialista no tema, minha boa vontade com certas produções “contamina” uma crítica mais racional. Agora vamos aos fatos, o filme “100 Acres de Inferno”, na melhor tradução possível e longe da adaptação concedida para o público brasileiro, que sugere “Acampamento Maldito”, é daqueles trash que me fez lembrar os filmes que passava da Rede Bandeiras na década de 1990.

E aqui a crítica não é por ser ruim em si, isso é fácil de dizer e muito provavelmente nem merecesse um texto para fazê-lo. Vai muito mais além, e pretendo aqui “dissecar” as minhas impressões, sem receio dos tais spoilers, já que se trata de uma produção de 2019, bem distante de uma novidade ávida a ser explorada. Começando pela capa de divulgação, com quatro jovens usando máscaras sinistras e portando armas brancas. Não sei se eu dormi em algum momento, mas não vi esses tais mascarados no decorrer do filme, silhuetas sombrias sim, mas figuras mascaradas não! Vou considerar um easter egg mal feito que deu certo, já que despertou o meu interesse para ver o filme assim que bati o olho no catálogo do streaming do Looke.

Sobre a história, um ex-lutador de peso muito pesado (o cara é um trator humano) convive com uma perda familiar, além de mostrar limitações físicas decorrentes de que posso garantir ser resultado de anos recebendo pancadas. Está num bar, no melhor clichê possível, debruçado sobre o balcão de um ambiente vazio e "morrendo" aos poucos com uísque e remoendo às tristezas do passado. É claro que o nosso anti-herói Buck Severs têm amigos, mais do que isso, amigos da 5ª série (risos forçados). E esses rebentos de sabedoria inútil o convidam para um final de semana numa reserva florestal, regada à cerveja e conversas enfadonhas para autopromoção. Cada qual bem crescidinho e com suas vidas medíocres, sem tanta diferença dos tempos colegiais, exceto que agora existem os boletos!

A sensação de liberdade é tamanha que eles provocam até um grupo de motoqueiros na estrada, tentando revelar o pequeno poder da liberdade em percorrer alguns quilômetros para longe dos holofotes urbanos. Numa certa estalagem na estrada, compram carne e bebidas que só de olhar, já sinto o cheiro de esgoto aberto, não preciso ser empírico nessa questão, é gritante observar que o consumo daquelas “iguarias” seria pior que tomar óleo lubrificador no deserto (referência ao belíssimo “Quantum Of Solace”). E claro, no quarteto de amigos, sempre tem o mais “rico”, o “mulherengo depravado”, o mais “conciliador” que vai no embalo e o grande lutador, que precisa ser reconectado ao mundo.

De boas ações o inferno tá cheio, mas isso não é o bastante, um dos rapazes insiste numa história que remonta a uma lenda urbana em um desses locais inóspitos, só que não faz ideia de onde fica. Pedem ajuda aos residentes daquele cenário vintage, que relutam em dizer, mas acabam por fazê-lo, afinal o filme precisa prosseguir! A tal reserva selvagem “Foggy Creek” é um local de difícil acesso, lembrada por assassinatos e desaparecimentos de corpos. Mas os nossos bravos ginasiais quererem porque querem ir para lá desbravar os mistérios do lugar. Levam armas de caça, quem sabe algum alce aparece na mira e assim ganham mais pontos de irrelevância. Montam as barracas e um grupo local junta-se a eles para a famosa fogueira de fim de noite.

O grupo está sendo observado por uma figura sinistra, que porta consigo arco e flecha, a câmera tira o foco a medida que a silhueta se aproxima, só para dar o charme oitentista. Pouco a pouco os integrantes da roda vão sendo assassinados, de forma bem óbvia, ninguém ali parece se importar com isso, só esperam mesmo pelo desligamento formal do setor de Recursos Humanos. É aí que o roteiro mostra uma pobreza encefálica, as mortes passam longe de ser convincentes, é como se os atores tivessem encenando um trabalho de TCC para receber seus títulos. O tal lutador, que surge bebendo lá no início, é o único sóbrio do grupo, talvez tenha imposto a si uma espécie de “Lei Seca” para conseguir cumprir a missão de protagonizar o personagem de herói que tanto se espera dele.

O dia amanhece e o grupo está separado, um curando a ressaca, o outro desaparecido, os locais em destino ignorado, igualmente com as armas longas, daí rapidamente deduzem que foram roubados na calada da noite. Mal sabem que o destino foi muito mais ingrato, enfim, seguimos pelo caminho de obviedades. Os três amigos seguem para procurar o dono da ideia daquela viagem genial, mas são confrontados com armadilhas pelo caminho. Até que o nosso lutador encontra um trailer velho, mas com cara de que alguém mora ali. Pelo caminho um amontado de carros velhos, tipo aqueles ferro-velho abandonados, dessa cena eu gostei, receita de bolo que não falha! Nisso já havia escurecido novamente, impressionante como o relógio “corre” quando é para favorecer o predador local.

Dentro do trailer algumas mulheres amarradas, mantidas como reféns, além dos corpos dos que foram “retirados” de cena momentos antes. As mulheres são libertadas pelo lutador, que logo percebe a chegada do nosso sinistro vilão metido a Gerônimo. Só que aí eu fiquei decepcionado pela capacidade pueril de aniquilação de roteiro, já que o tal engodo em pele humana faz um movimento fora do trailer meio que “convidando” o lutador para resolver a questão no braço, literalmente! E o metido a Chefe Apache tira a máscara e o manto de trapos para mostrar que seria uma luta igual, sem trapaças. Ora, um louco desvairado que tem um prazer bizarro em ceifar vidas propondo um combate “limpo”, o que quer que eu pense?! O mundo acabou mesmo, só esqueceram de me avisar! É como se o primo distante do Jason Voorhees fosse um admirador de lutas de boxe e quisesse se provar naquele cemitério de almas desavisadas.

Mas o final eu não conto! O filme acabou e eu fiquei tão convicto de vir aqui escrever, que já estou na terceira página de Times New Roman 12 e ainda assim fico me perguntando se todo esse esforço mental que tive não poderia ser empregado em outra atividade, como, por exemplo, plantar uma árvore (risos). No final das contas o plano de me entreter foi alcançado (mesmo com a péssima fórmula escolhida) e o filme, que foi tão tosco a ponto de me causar comichão, trouxe essa sinergia improvável de indignação com certo acolhimento ao menos para tentar captar curiosos em querer assistir. O Cine Trash ainda existe!

Daniel Gonçalves, além de entusiasta de rock, apaixonado em ser surpreendido pelo universo cinematográfico (lados B e C me “fascinam”).