domingo, 13 de outubro de 2024

A Conferência (2022)



Por Daniel Gonçalves

O peso de escrever a respeito de algo que aconteceu num passado não muito distante, separado por menos de um século, é desafiador por diversas razões. Os tempos são outros, as experiências foram outras, o mundo tinha uma configuração social, política e econômica muito diferente da que vivemos hoje. Mas existe uma similaridade que une tudo, independente do espaço em que as coisas ocorreram: os seres humanos. Pelo menos na essência de nascimento, sem entrar no mérito de atitudes tomadas no decorrer de suas vidas, apenas como ponto de partida pela lei da origem da vida.

Fui orientado desde muito cedo a sempre ter disposição para aprender as coisas, e isso logo passou a ser natural em meus pensamentos, o saber mais e mais cria oportunidades de transformação para as mudanças necessárias na busca incessante pelo convívio justo e harmonioso com meus semelhantes. Sinto em mim uma empatia latente pelos que padecem, mas o meu alcance de assimilação jamais se avizinhará com aqueles que sofreram os piores horrores em vida que um ser humano já experimentou. Contextualizando, estou me referindo a quem viveu, conviveu, respirou, chorou, sofreu e caiu em guerras.

Nesse cenário, ainda enojado pelos sórdidos diálogos trazidos no filme “A Conferência”, produzido na Alemanha e lançado em 2022, senti urgência em colocar em palavras escritas toda a minha indignação e repulsa com ilações repugnantes feitas contra o povo judeu. Novamente movido por um sentimento de curiosidade, descobri que existe um documentário alemão que aborda a mesmo tema, de 1984, talvez a primeira grande referência no assunto em termos cinematográficos, além do filme “Conspiração”, de 2001, que igualmente joga luz sobre um momento perigosíssimo para o destino da humanidade.

O dia 20 de janeiro de 1942 foi marcado por um dos momentos mais retrógrados desde o surgimento do planeta Terra e da notícia da existência de formas de vida humana. Sem qualquer sinal de exagero na colocação anterior, a materialização da minha perplexidade ocorreu na reunião marcada no subúrbio de Wannsee, sudoeste de Berlim (capital da Alemanha). Conhecida como “A Conferência de Wannsee”, o evento foi comandando pelo general da SS Reinhard Heydrich (1904-1942), e contou com a presença de 14 autoridades da alta cúpula do Governo da Alemanha Nazista (Secretários de Estado) e integrantes do Partido Nazista, mais conhecidas como SS (organizações paramilitares).

O tema central da reunião que durou cerca de 90 minutos foi a “Solução Final para a Questão Judaica na Europa”. Em outras palavras os detalhes logísticos para o completo extermínio dos judeus, com a ideia de reorganização da Europa a partir de uma nova colonização mundial liderada pela raça ariana (ideia de pureza criada pelos nazistas na sua figura maior – Adolf Hitler). Os debates foram seguidos de risadas debochadas, racistas, antissemitas e de toda ordem preconceituosa e desumana possível. Naquele salão foram desencadeados os piores sentimentos (se é que se posse qualificar dessa forma) sobre um semelhante humano.

A história desenvolvida para as telas é construída a partir da obtenção dos autos da conferência, mas os fatos são todos efetivos e reais, cuja comprovação não tardou a ser colocada em prática, com os desdobramentos que ocorreram após aquele evento. O diálogo, ainda que fictício, é praticamente indiscutível de ser contestado, pois o que se viu dali por diante deixa margem para ser pior do que foi apresentado no filme. Os judeus e grupos considerados “inferiores” são tratados como mercadorias, sem qualquer escrúpulo de consciência, sendo alvos constantes de piadas e termos pejorativos do tipo “parasitas” e outras menções depreciativas. Cada representante da reunião tem uma preocupação particular com o território que administra, relevando à condição do judeu à algo desprovido de qualquer importância, exceto pelos bens materiais apreendidos no ato das prisões motivados pelos rituais nazistas de segregação.

Outro ponto discutido foi a questão dos “meio-judeus”, aqueles que possuem sangue alemão fruto da relação matrimonial entre alemães puros com pessoas de origem judia. Opiniões de toda sorte, desde os radicais que externaram a vontade de exterminar todos, em favor do rápido processo de arianização do povo alemão, confrontada por posições “moderadas” (mas não contrárias), como, por exemplo, estabelecer que os idosos acima de 65 anos sejam instalados em campos de concentração específicos e assim terem o destino natural selado e erradicado para sempre. Dos 11 milhões de judeus residentes na Europa, quantidade estimada àquela altura, sabemos que os nazistas conseguiram assassinar com o Holocausto um total de 6 milhões de vidas.

O descompromisso com a própria história alemã recente é de uma negligência moral de cair não só o queixo, mas qualquer tentativa de tentar saber de onde surgiu o sentimento encolerizado pelo povo judeu. Judeus que lutaram ao lado dos alemães na Grande Guerra (1914-1918) foram descartados e varridos como poeira cósmica, a desfaçatez dos presentes naquela reunião somada à completa e acabada falta de empatia revelaram um veneno moral de proporções inexplicáveis. E a cada concordância coletiva, um “salve” com uma sequência rápida de socos na mesa, em tom de assertividade da loucura mental instalada naquele ambiente contaminado por mentes doentias.

Dessa forma, encerro por hora as minhas considerações acerca desse filme, sem deixar de manter a ininterrupta missão de vigilância e também de seguir na complexa trajetória das pesquisas visando o melhor entendimento das ações humanas do passado, presente e até mesmo do futuro (ainda que isso seja somente um exercício de alcance de estimativas). A tarefa não é fácil, mas é o único caminho contributivo que tenho, para que tentativas de ações minimamente parecidas com as que foram conduzidas na Segunda Guerra Mundial sejam evitadas.

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Dados técnicos:

Nome original do filme: Die Wannseekonferenz.

Direção: Matti Geschonneck.

Roteiro: Magnus Vattrodt e Paul Mommertz.

Duração: 108 minutos (com abertura e créditos finais).

Procedência: Alemanha.

Ano de lançamento: 2021.

Disponível: Prime Video e Looke (ambos serviços pagos de streaming).

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