domingo, 19 de outubro de 2025

Tempos de Escuridão (2020)

Uma das coisas que mais mexem comigo em um filme é o poder de transformação que ele promove sobre meus pensamentos após assisti-lo. A somatização da reflexão, empatia, revolta e por vezes alívio diante dos desdobramentos felizmente positivos são alguns movimentos internos que me deixa impactado e até resiliente para os desafios que deparo no dia a dia. A Segunda Guerra Mundial (1939-1945) continua sendo um assunto bastante latente mais de 80 anos depois, com feridas abertas e cicatrizes mal curadas que assolou gerações e ainda assombra a vida de milhares de pessoas. Diante disso, inúmeras produções cinematográficas foram produzidas sobre o tema, com a tentativa de preencher esse enorme quebra-cabeças histórico.

Muitos países foram envolvidos nesse conflito, alguns declararam apoio forçado, outros mantiveram uma neutralidade que no final das contas foi insolúvel, já que a ocupação direcionava aos interesses beligerantes. A Dinamarca foi um desses países com bandeira branca, mas que se viu amordaçada por uma Alemanha opressora e cada vez mais influente na política interna do país. O filme “Tempos de Escuridão” (De forbandede år / Dinamarca / 2020) é a primeira de duas partes que mostra essa interferência que vai se formando gradativamente, com uma escalada de violência física e psicológica nos pacatos residentes do país. Tentei assistir a esse filme algumas vezes, porém, por uma questão de falta de sincronismo da legenda na transmissão do streaming do Looke, meu interesse era momentaneamente drenado.

Mas o problema foi resolvido e ao acessar o filme no catálogo, logo percebi que poderia assistir sem maiores sobressaltos. A história gira em torno do industrial Karl Skov (Jesper Christensen), dono de uma fábrica de eletrônicos, com uma produção que vai de vento em popa, sendo obrigado a mudar os rumos do seu negócio quando ocorre a invasão alemã em seu país em 1940. Num primeiro momento, questões políticas e sociais sofrem poucas interferências, mas no decorrer do tempo os invasores iniciam uma sequência de perseguições a pessoas de origem judia e à todos que se manifestam contra o regime nazista. O ponto nevrálgico a partir desse momento é a enorme discrepância de pensamentos da família de Karl, seus filhos e esposa, além dos empregados, cada qual com segredos perigosos.

O passado de Karl não é retratado, mas em 1940 temos o protagonista com uma idade beirando os 75 anos, com um filho (Michael, Gustav Dyekjær Giese), servindo às Forças Armadas do país, provavelmente do primeiro casamento. Já na segunda relação, temos inclusive a celebração do aniversário de 25 anos de matrimônio de Karl e Eva Skov (Bodil Jørgensen). Nesse contexto, os quatro filhos do casal são descritos com personalidades e interesses absolutamente diferentes. O mais velho, Aksel Skov (Mads Reuther), um jovem idealista que apoia à Resistência (une-se a clandestinos que pretendem derrubar o regime nazista por meio de atentados contra as instalações físicas do Eixo), sempre movido por ações impulsivas. O eventual apoio da Dinamarca ao regime nazista contra os comunistas da União Soviética é o primeiro desacordo entre ele e o meio-irmão Michael, já que esse último acredita que poderá servir o seu país por ideal coletivo acima de qualquer coisa.

Os outros filhos do casal são Knud Skov (Lue Dittmann Støvelbæk), um jovem músico de jazz que possui uma limitação física para andar, Helene Skov (Sara Viktoria Bjerregaard), uma jovem adolescente que logo se apaixona por um Oficial da Marinha alemã, provocando uma erupção dentro da família e o adolescente Valdemar Skov (Sylvester Byder). O bom de ser um filme longo, de aproximadamente 2 horas e meia, é que é possível aprofundarmos em vários personagens e suas motivações. Mas o que realmente atrapalha muito é a desinformação que ocorria naquela época, pois ninguém tinha a menor ideia do que estava acontecendo na Alemanha. A propaganda local só pedia para os dinamarqueses serem cordiais com a presença alemã no país, pois qualquer comportamento contrário poderia ocasionar crises institucionais.

Karl é movido pela crença de que as pessoas têm boas intenções, apesar de mostrar-se contrário à presença alemã na Dinamarca, ainda acreditava no Parlamento e que a guerra acabaria em breve. Isso o levou a quase perder a fábrica, antes disso já havia feito dezenas de demissões, para que pudesse mantê-la em funcionamento. Sempre resistente a realizar acordos comerciais com os alemães, logo é demovido dessa intenção, acaba sendo absorvido pelo sistema e celebra contratos de cooperação, mesmo sem saber ao certo para qual finalidade sua produção atenderia aos interesses alemães. Paralelo a isso, seus filhos corriam em direções opostas, um participava da guerrilha e era perseguido pela polícia local, que apesar de ainda ser gerida pela Dinamarca, a influência nazista era evidente, pois eles cumpriam diversos mandados de prisão ordenados pelo regime nazista instalado no país.

Apesar de toda desordem, Karl ainda conseguia manter um nível de vida confortável para sua família, mas a medida que o tempo passava, o que era tida como uma ocupação provisória e “pacífica” desde 1940, esse fato já não se repetia nos anos seguintes, com uma intensificação da violência e interferência direta na política e qualquer atividade comercial do país pelos alemães. A Dinamarca não era mais uma nação neutra, ao contrário, estava amordaçada e obrigada a seguir as ordens da Alemanha. Karl tentava manter a sanidade para evitar que infligissem sua família e os negócios, mas seus filhos seguiam caminhos conflituosos e destoantes, cada dia era um problema a ser administrado com a polícia local, que milagrosamente era amigável com Karl. A esposa de Karl se mostrava cada vez mais contra o regime nazista, por algumas vezes colocando essa insatisfação em evidência, gerando um clima claustrofóbico que poderia colocar a família em grande risco.

Muitas pessoas não tiveram escolhas, simplesmente foram absorvidas para aquela hecatombe de atrocidades humanas, movidas em quase todos os momentos pela falta de informação ou mesmo propagação de notícias falsas. O filme deixa isso bem claro quando Karl tranquiliza a esposa dizendo que um casal de amigos de origem judia foi deslocado para um “Campo de Trabalho”, mostrando que ninguém tinha ideia do que eram aquelas instalações de extermínio de judeus. Karl passa a ter uma breve noção das terríveis atrocidades cometidas quando Michael retorna de uma missão e no encontro o filho relata que era obrigado a fazer pessoas a cavarem a própria cova e depois atiravam em suas nucas com o “sangue dessas pessoas espirrando nele”. Foi um momento de choque traumático, ainda mais vindo de uma pessoa que ansiava em servir à pátria com ações altruístas.

Deixarei o restante da experiência a cargo de quem se interessar em assistir, mas afirmo que é um excelente filme, mostrado sob o ângulo de uma nação que nada tinha a ver com toda aquela confusão instalada na Europa na primeira metade do século passado. Essencial para que as reflexões continuem vivas e não se percam nas páginas do passado. A vigilância é imprescindível para que não deixemos essas atrocidades serem repetidas.

E mais um recado: leia livros, seja bem informado nas coisas que acredita para que possa defendê-las com argumento e sabedoria!

sábado, 11 de outubro de 2025

A Mulher na Cabine 10 (2025)

 

Para quem gosta de mistério, esse filme garante um bom programa para o final de semana, já que reúne bons elementos detetivescos ao longo da trama. A primeira coisa a se fazer é não confiar em nenhum personagem, pois cada um guarda, esconde ou omite segredos relevantes para seus propósitos. É claro que dizer que todos os personagens são culpados beira a histeria, afinal, um filme de pouco mais de 90 minutos soaria superficial demais para conseguir cobrir várias camadas. Dito isso, vou falar um pouquinho de “A Mulher na Cabine 10”, que acabou de chegar à plataforma da Netflix, mais precisamente no dia 10 de outubro de 2025. Só para lembrar, esse filme é baseado no livro homônimo da autora inglesa Ruth Ware.

O componente psicológico é a mola central para que “grudemos” a atenção na protagonista, a jornalista Lo Blacklock (Keira Knightley), que retorna ao trabalho após uma breve pausa em função de uma matéria de campo produzida e publicada por ela que infelizmente terminou com a morte de uma pessoa. Essa morte em questão é mostrada em flashbacks picotados das lembranças da jornalista, algo importante para o que virá pela frente. Logo no primeiro dia no escritório, em poucos minutos à frente do computador, a jornalista recebe um convite tentador: escrever uma matéria in loco sobre milionários que passarão o final de semana em alto-mar para celebrar um evento filantrópico. A paisagem natural é um ponto de impacto, golaço da produção!

A bordo da viagem inaugural do iate Aurora Borealis, os convidados foram recebidos por champagne chique, passando por um rito de boas maneiras, como por exemplo a obrigatoriedade de tirar os calçados antes do embarque, nada como uma introdução tranquila e didática. Os personagens são caricatos, todos com caras, bocas e olhares aleatórios, mas sempre com os seus egos monetários exalando futilidades em cada frase. Empresário, socialite, influencer, roqueiro, médico, fotógrafo paparazzi e seguranças “altamente” profissionais, todos em cena para promoverem um final de semana inesquecível em alto-mar. O casal anfitrião e “podres” de rico são formados pelo Richard Bullmer (Guy Pearce) e Anne Bullmer (Lisa Loven Kongsli), essa que enfrenta um câncer terminal e que exigiu a presença da jornalista Lo Blacklock na viagem.

Sou compreensivo quando o filme não consegue dar o merecido espaço a muitos personagens, o tempo é curto e existe a necessidade de concentrar forças no núcleo principal, volta e meia destinado a no máximo três (e olhe lá!). Por isso, a sequência de cenas não permite divagações, cada tomada é uma peça de quebra-cabeças, todos vão formando um corpo e ao final, descobrimos a motivação do crime ocorrido. Dentro desse labirinto de fantasias criada por uma mente engenhosa, não era esperado que justamente a personagem principal fosse descobrir fragmentos do “crime perfeito”, chamando a atenção para pessoas preocupadas tão e somente com suas contas bancárias e aparências físicas do que creditar valor a um “grito de socorro” para algo muito grave que aconteceu e que passou despercebido por todos que estavam naquela embarcação.

Estou tentando não dar spoilers, acho desagradável estragar a experiência de quem gosta de investigar por seus próprios instintos. Posso dizer que a “pobre” Anne Bullmer enfrenta um câncer terminal e uma de suas últimas vontades era doar toda sua riqueza para uma instituição de caridade, isso mostrar no primeiro encontro entre ela com a Lo Blacklock, convidada para “melhorar” o texto a ser discursado diante dos convidados. Cansada, ela encerra a conversa e pede que a jornalista retorne no dia seguinte para continuarem com a revisão do texto. É a partir desse instante que muitas coisas passam a ocorrer ao mesmo tempo, talvez por isso o roteiro “entrega de bandeja” informações “mastigadas” para o telespectador.

Algumas cenas de continuidade deixam a desejar, como o momento em que jornalista simplesmente “aceita” a versão de que as câmeras da embarcação estão desligadas por se tratar de um evento privado com pessoas muito importantes da alta cúpula social que requerem privacidade. Por que ela não duvidou disso e tentou à própria sorte descobrir se isso era mesmo verdade? O fotógrafo “boca aberta” que se comporta como um idiota quase que o filme inteiro e em certa parte muda radicalmente de postura, revelando um roteiro consertado como esparadrapo. No mais, alguns personagens são letárgicos em seus papéis, engessados por comportamentos figurantes, com sobressaltos (necessários) aqui e ali. Caminhando para o final, a jornalista se depara com fantasmas psicológicos do último caso em que esteve envolvida, seguida de uma tentativa de homicídio que sofreu no iate, desacreditada por todos.

A Mulher na Cabine 10 merece minha nota 8 (número da cabine da Lo Blacklock), pois entrega mais do que eu mesmo esperava pela curtinha duração. Ainda acho que seria melhor desenrolado se fosse transformada em uma série de 8 episódios ou coisa do tipo, quem sabe isso possa ser realidade no futuro. Tentei não dar spoilers, apesar que o filme faz isso a cada 15 minutos (risos) com suas tomadas autodescritivas. E por último, encerrando minha breve análise, digo: sim, para quase tudo no mundo material, o dinheiro fala ou grita mais alto. Fica a dica!

Até a próxima!

Obs.: prometo falar de música, tema do meu blog (risos).