Quando fiquei sabendo que o AC/DC lançaria um novo álbum, ondas de ansiedade e expectativa tomaram conta dos meus pensamentos. Podem entender como picos de alta voltagem (alguns entenderão – risos). Comecei a acompanhar a banda tardiamente, devia ser 2015 ou 2016, no alto dos meus 30 anos de idade, não me lembro ao certo. De qualquer forma, não penso que gostar de AC/DC tenha muito a ver com idade, fato é que me considero um privilegiado ter pleno acesso ao trabalho deles e viajar diante da maravilhosa discografia da banda. E assim surgiu o Power Up, representando o décimo sétimo álbum de estúdio dos caras e lançado mundialmente no dia 13 de novembro de 2020.
A notícia desagradável foi saber que não haveria lançamento da mídia física no Brasil. A negativa pela edição nacional tem uma explicação simples: a Sony Music iniciou em 2020 um processo de encerramento das atividades no mercado fonográfico nos países da América Latina. Apesar disso, existem diversas formas de obter o disco, seja pela internet através dos sites gringos, pelo Mercado Livre do Brasil e outros portais online que realizam o serviço de importação. Enquanto escrevo sou contemplado com a audição do disco através de headphones. Vale lembrar que a banda disponibilizou gratuitamente todas as músicas desse álbum no canal oficial do YouTube.
Estamos falando de uma banda que surgiu nos anos 70, portanto, é difícil exigir o mesmo vigor de artistas que já são setentões! Meu argumento também não serve de anteparo ou muleta para justificar e encobrir trabalhos ruins, que felizmente não é o caso do Power Up. Aqui temos uma homenagem ao guitarrista Malcolm Young, um dos integrantes originais da banda que faleceu em 2017. Na formação atual, a mais clássica possível temos: Angus Young nas guitarras, Brian Johnson de volta nos vocais após um período sombrio (era dado como carta fora do baralho em 2016 após ter recebido o diagnóstico de um problema auditivo considerado irreversível), Phil Rudd na bateria, isso após ter acertado pendências na justiça, Cliff Williams de volta no baixo (o próprio havia anunciado aposentadoria no final da turnê “Rock Or Bust”) e o Stevie Young na guitarra rítmica, ocupando lugar do tio falecido.
Feitas as devidas introduções, vamos falar sobre o disco, que para mim é nota 8 tranquilamente. Diferentemente dos comentários que eu vi por aí, o material produzido está longe de ser razoável, ao contrário, possui a mesma pegada característica que levou a banda a ser uma das melhores da história do rock. Confira abaixo as minhas impressões de cada música que integra o álbum Power Up:
1. Realize – faixa que abre o disco com o Brian Johnson soltando a voz logo de cara, com um ótimo trabalho na guitarra rítmica do Stevie Young, além dos vocais de apoio atuarem em diversos momentos. Phil Rudd mostra que está em ótima forma ao reassumir o seu lugar de direito. Já tá imaginando o Angus Young correndo de um lado para o outro com sua guitarra elétrica? Eu sim!
2. Rejection – a única música que supera os quatro minutos já começa com uma intimação seguida de um aviso nada amigável: “É melhor você me dar o que eu quero” “Ou eu vou bater em você”. Angus tem tempo suficiente para desenrolar seu solo, a bateria de Phil Rudd demonstra “respeito” e atua o tempo inteiro balizando o trabalho das guitarras, atingindo um resultado satisfatório. Som consistente, mas pressinto que será pouco executada ao vivo.
3. Shot In The Dark – primeiro single do álbum, lançado no dia 7 de outubro de 2020. Fez muito sucesso por várias razões, principalmente pela curiosidade planetária de conferir um material inédito da banda. Traduzindo ao pé da letra o título da faixa, não sei de onde veio esse “Tiro No Escuro”, mas que foi certeiro, isso não resta a menor dúvida. Temos aqui um Brian Johnson revigorado, nem parece que tem 73 anos de idade. Voz impecável.
4. Through the Mists of Time – uma das músicas que eu mais gosto no álbum, todos os instrumentos estão equilibrados e firmes, ainda mais com frases do tipo “Ouça o sussurro do redemoinho” ou “Tem cavalos negros no meu sono”, essa faixa poderia compor tranquilamente a trilha de algum filme. Nos segundos finais, já com o som sendo encerrado (sem prejuízo algum, só coisa de gente perfeccionista), percebi uns ruídos, inicialmente achei que fosse defeito na minha mídia, mas aí fui conferir no canal oficial da banda e lá também apresenta isso. Será proposital?
5. Kick You When You're Down – em vez de chutar, que é o que trata o título, eu achei que a música fosse explodir já nos primeiros acordes. Sinalizada pelos riffs de guitarra numa espécie de contagem com a tradicional bateria “seca”, me agradou essa entrada. O solo do Angus é curto, mas resgata uma energia oitentista nostálgica, de rock n’ roll sem frescura. Talvez a letra não faça muito sentido para nós, mas isso não é tão necessário quando o forte do Angus é fazer da guitarra um instrumento cortante e altamente perigoso para pessoas que tem dificuldade em assimilar o bom e velho rock.
6. Witch’s Spell – não entendi muito bem essa história de bruxas, mas deve fazer algum sentido para o imaginário criativo do Angus. O tempo que o Brian Johson ficou ausente da banda fez bem não só para a recuperação do seu problema auditivo, mas para as suas cordas vocais! A potência da sua voz se fez presente durante a faixa inteira, não deixou nenhum instrumento sobrepor. Stevie e Angus harmonizaram muito bem suas guitarras. Phil Rudd seguiu a “receita pronta”, só acompanhou com sua bateria e o resultado ficou “mais do mesmo”, ou seja, do jeito que os fãs gostam!
7. Demon Fire – o rock do AC/DC dos velhos tempos revive nessa faixa literalmente flamejante. Me fez lembrar “Whole Lotta Rosie” (inaugurada na fase ‘Bon Scott’), com Brian Johson mandando ver num vocal “endemoniado” e ao mesmo tempo cativante. Para mim a faixa mais acelerada e que me trouxe lembranças de qualquer coisa que a banda fez entre o fim da década de 70 e primeiros anos da década de 80. Essa música tem de tudo, solo de guitarra envolvente, vocais de apoio e bateria pesada praticamente ininterrupta que segura a faixa do início ao fim. Eu precisei apenas dos vinte segundos iniciais para me amarrar nesse som!
8. Wild Reputation – provar inocência numa cidade pequena é o tema dessa faixa. Refrão pegajoso (afinal, não é isso que as rádios gostam?), com um solo de guitarra bem alto e prazeroso para deleitar. Temos a guitarra rítmica num tempo ligeiramente atrás e meio que imitando o Angus, até o nosso guitarrista com rodinha nos pés saltar para algo novo e deixar a base de apoio de lado. A bateria é secundária e bem cadenciada, quase não prestei atenção nela, a faixa é a mais curtinha do disco, com menos de três minutos. Vai pegar todo mundo de surpresa se ela for encaixada num eventual BIS dentro de um show da banda.
9. No Man’s Land – os vocais de apoio repetiram a frase “Terra de Ninguém” durante a música inteira. E a história de explorar um território aparentemente desconhecido a partir de uma viagem de trem sugere muitas descobertas (ou será tudo um sonho?). De fato, ninguém assumiu o protagonismo nessa faixa. Vislumbrei o Brian Johnson tentando progredir a um ritmo mais intenso, porém a melodia não concedeu essa permissão, o Angus mostrou-se mais comedido e determinado a seguir por igual com os demais instrumentos.
10. Systems Down – mais uma faixa potente, não tinha como ser diferente para abordar altas temperaturas, chamas e explosões. “Sistemas Falidos” é um som pesado, bem que essa faixa podia ter mais de quatro minutos, para que as guitarras pudessem ter mais tempo de execução. Gostei dessa pegada, mas não quero ficar com a impressão de que todas as músicas têm que apresentar vocais de apoio, principalmente se forem num tom mais alto que a voz principal. Phil Rudd tem uma maneira de conduzir sua “cozinha” que me deixa completamente satisfeito. Ele não precisa protagonizar nada, o que ele faz é tão importante quanto os limões para uma limonada.
11. Money Shot – uma faixa que começa com a frase “Sentindo o clima do rock n’ roll” não tem como dar errado. Esqueça o restante da letra, não por ser ruim, segue o padrão regular do rock. O importante aqui são as guitarras, elas me fizeram fechar os olhos e simplesmente saborear os prazeres da ótima execução. Baita som gostoso de curtir, contagioso e que mostra um AC/DC distante do fim. Engraçado que muita gente fez a leitura de que o material do “Power Up” consiste em sobras de outros trabalhos da banda, acho muito leviano darem essa narrativa. O material produzido não foi engavetado por ser inferior, interpreto que a banda deu prioridade a outras faixas que produziam mais sentido para eles na época.
12. Code Red – gostei dessa faixa pela complexidade de tudo nela, letra, execução intervalada da bateria, guitarra pesada e sem a necessidade de ser acelerada. Na minha opinião não é uma música fácil para show, estou curioso para ver como soará ao vivo. A voz do Brian Johnson está intensa e provocativa, ele transmite segurança para o time, sabe exatamente como atingir notas altas nos momentos certos. Imagino que se depender do Angus e sua guitarra a música ficará mais longa em, pelo menos, uns bons dois minutos ou mais durante os shows.
Não pensem que me esqueci do grande baixista Cliff Williams, sua presença é onipresente em todas as músicas, mas não tem nenhum momento específico em que ele ficou no comando das ações no primeiro plano sonoro. Não é porque o baixo não saltou aos ouvidos que a atuação dele foi menos importante. Conforme informações recentes, ele deixou claro que fará parte da turnê de divulgação do novo álbum, marcando presença em shows pontuais, que devido a problemas de saúde, infelizmente não conseguirá manter-se na estrada por longos períodos.
Em última análise, para quem nunca escutou AC/DC na vida (quase impossível encontrar alguém nessa condição, certo?) o álbum Power Up é um ótimo trabalho de rock n’ roll que aquecerá o espírito roqueiro desse indivíduo. Já para quem acompanha há banda desde os primórdios, é um trabalho digno da rica discografia da banda e que ganha um peso diferenciado por se tratar de um tributo ao Malcolm Young, uma das pessoas que tornou tudo isso possível lá nos anos 70.
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