Para falar sobre um filme europeu, temos que ter em mente que a abordagem narrativa dos diálogos e até mesmo na condução das cenas é muito diferente do que estamos acostumados em relação aos filmes norte-americanos. Dito isso, acabei de assistir a película “Jacob Tyler”, lançado em 2024, sendo produzido, dirigido e estrelado no papel principal por Mitchell James Ronald, jovem britânico de 28 anos de idade e que já apresenta bons traços de habilidade em criar enredos complexos. É importante destacar que esse foi o primeiro filme produzido por ele, e logo de cara uma produção com mais de 2 horas de duração, uma aposta alta que, independente do resultado, merece ser enaltecida pela coragem.
A história começa com um rápido feedback, no qual o protagonista, vivido na pele de Jacob Tyler (Mitchell James Ronald), é espancado por um grupo de jovens por um motivo não revelado, mas que já expõe desde o início um problema crônico de violência que ocorre no mundo inteiro. Depois disso, é mostrado várias cenas propositalmente malfeitas de vídeos amadores publicados em redes sociais retratando indivíduos usando máscaras de palhaço no cometimento de atos de violência contra pessoas totalmente indefesas (e ainda que alguma forma de resistência fosse apresentada pelas vítimas, só o vandalismo por si só já definia a covardia mostrada em tela). Para circundar o espectro dramático, as cenas são tratadas com pouca luminosidade e muitas sombras, outro obstáculo claustrofóbico para os potenciais alvos.
O protagonista retorna do cumprimento obrigatório do Exército e percebe que a vida na pequena cidade de Calder (espero que seja realmente o nome fictício desse lugar – por favor responsabilizem o site Filmow pela informação – risos) prosseguiu sem maiores acontecimentos. Mas essa cortina branca logo se empalidece com a atmosfera estranha percebida em pequenos acontecimentos, como um assalto em plena luz do dia, em que os amigos de Jacob fazem vista grossa para a vítima mulher, enquanto que Mitchell intervém e consegue restabelecer a ordem. Aquilo já coloca uma “pulga atrás da orelha” do que realmente estava acontecendo naquela cidade, aparentemente calma, mas cheia de segredos adormecidos. Jacob se estabelece em sua casa junto com a irmã Beth Tyler (Keryn Matthew), onde fica evidenciado num rápido diálogo que seus pais faleceram recentemente.
Após essa introdução que consumiu quase 15 minutos de tela, uma festa surpresa para celebrar o retorno de Jacob é organizada pelos seus amigos dos tempos ginasiais, onde vários personagens são apresentados na trama, alguns com boa espontaneidade, outros mais introvertidos dentro de atuações básicas e robóticas. As construções dos diálogos foram um pouco confusas, ainda que eu tenha conseguido entender os arcos não resolvidos ou pendentes nas relações, principalmente as paixonites retraídas entre os eventuais casais. Na hora eu pensei: coisas da idade! A “saída à francesa” de Jason (Cameron Gow) foi percebida lá pelas tantas e após Henry (Yannik Borzynski) telefonar para o amigo, confirma o fato. Jason está caminhando numa estrada em completa penumbra e percebe que está sendo seguido por alguns “vultos”. Ao registrar uma foto com flash para poder identificar melhor, descobre que três indivíduos usando máscara de palhaço estão no seu encalço, momento em que ele começa a correr e adentra um matagal mais escuro ainda (nada inteligente da parte dele!).
Os detetives Abrams (Ibrahim Bakhait) e Fazier (Rohanne Woods) são encarregados do caso e logo as buscas são iniciadas. Só achei estranho a polícia não seguir o prazo de 24 horas para efetivar um caso de desaparecimento e a partir disso iniciar esse procedimento operacional (não sei se no Reino Unido a lei é diferente). Jason é milagrosamente encontrado vivo, desacordado na mata, todo machucado, resultado nítido de um espancamento coletivo. Enquanto Abrams é retratado como um policial com mais experiência e lida com problemas particulares, a detetive Fazier é uma novata e que num primeiro momento está mais preocupada com a pronúncia correta do seu nome. Não gostei muito dos estereótipos de ambos, a impressão que eu tive é que eles estavam muito retidos a um roteiro programado, mas isso foi apenas um incômodo passageiro.
A principal informação da história enfim foi escancarada diante de Jacob, ao saber que uma gangue de indivíduos usando máscaras de palhaços tem causado um inferno aos moradores locais. E o objetivo da gangue é o tráfico de drogas, por meio do envolvimento de intermediários (muitos deles metidos nesse meio devido a problemas financeiros). E os intermediários são bem próximos de Jacob, que custou a acreditar que seus amigos teriam qualquer relação com a gangue. Ocorre que Jason encontra o fim logo após sair do hospital, um personagem que foi marcado por usar uma camiseta do Iron Maiden e que pouco acrescentou à trama, somente confusão e uma atitude pouca espirituosa. Uma pessoa que é atacada por marginais mascarados, que consegue escapar vivo após ser espancado, é no mínimo pouco inteligente voltar à rotina normal e sair andando à noite pelas ruas como se nada tivesse acontecido, não?! Pois bem, ele pagou pra ver e isso custou caro!
A partir daí, o espírito corajoso de Jacob, transformado após uma importante vivência no Exército, resolve fazer justiça com as próprias mãos, saindo à noite, todo encapuzado e com uma máscara dissimulada no rosto. É aí que identifiquei falhas de continuidade em certas cenas, além do descaso policial em fazer rondas nas ruas, além de toda uma “bolha” colocada propositalmente nas cenas para pavimentar o sucesso do protagonista. Ainda que ele tenha se envolvido em brigas corpo a corpo com um dos palhaços, é nítido que a cidade opera por “controle remoto”, pois parece que se “congela” tudo para que o protagonista consiga lidar com essa célula da gangue. Outra personagem bastante questionável foi a Rachel, interpretada pela atriz Abby Fisher, que no passado foi a namorada (ou quase) de Jacob. Intervenções bastante monótonas, com um roteiro decorado, apesar do esforço da personagem em ser mais incisiva. Ela queria o bem do rapaz, apesar de não mover um palmo do metro quadrado a que foi destinada a atuar.
Não se enganem com a minha disposição com o filme até aqui, estou gostando, pois a empatia que eu criei foi o suficiente para adentrar à aquele universo de poucas respostas e muita penumbra. Enquanto a gangue era sabida do conhecimento de todos, a inoperância do distrito policial me deixava constrangido, não era possível que uma mísera operação não era montada para tentar interceptar contatos diretos e indiretos, com a finalidade de desmontar o tráfico. Mas tudo bem, a proposta do enredo era enaltecer a indignação do Jacob, que tentava entender o que estava acontecendo desde sua partida para o Exército. Outro amigo de Jacob que estava envolvido com o tráfico, Dominic (Reece Young) foi esfaqueado pelos próprios comparsas que viram nele um alvo identificado na gangue mascarada e que poderia trazer problemas futuros.
O filme poderia ser encurtado? Sim, mas eu estava curioso e com boas expectativas para seguir o raciocínio de seu idealizador, uma vez que derrubar uma organização criminosa, independente do tamanho dela, requer muito mais que apenas dois punhos cerrados. O policial Abrams protagonizou uma cena bisonha, quando interrogou o dono de uma suspeita mercearia, ao sair do local, resolveu investigar clandestinamente e ao ser surpreendido pelo proprietário, foi espancado e pediu clemência para não morrer ali. Foi um momento degradante, apesar que a “fácil” cooperação com o protagonista que havia arquitetado um plano para surpreender e prender a gangue tenha sido a famosa “manobra” de enredo, foi pior ainda. E quem seria o palhaço infiltrado (ou ela) que apareceu sorrateiramente na casa de Sarah (Sarah Black)? Propósito somente em aterrorizá-la? Ou têm mais coisas obscuras nessa investida misteriosa?
Ao final, todos os membros (será mesmo?) reunidos numa área de matas, onde o dia e a noite celebraram uma união sem noivado, onde o líder da gangue fora finalmente revelado. Um tal de Gaz (David McCallum), um ser errático desde os tempos adolescentes, que praticava bullying de todas as formas no Jacob e nos demais envolvidos desde os tempos de escola. Ocorre que ele construiu uma sofisticada rede de tráfico de drogas, arregimentando desesperados por dinheiro e outros que possuíam algum “podre” do passado que, caso fosse revelado, arruinaria a vida da pessoa para sempre. Mas Jacob teve uma ideia interessante e astuta, porém, vou parando por aqui, terão que assistir para saber o que aconteceu. Sobre continuidade, ainda que o filme seja o embrião de um diretor que acabou de debutar no universo cinematográfico, estou curioso para saber como a vida de Jacob e seus amigos seguiram após os fatos trazidos neste artigo.
Não sou muito adepto a notas, mas penso que o diretor poderia criar um universo pregresso um pouco melhor para os personagens secundários, já que todos eles levam a ROMA (ops, a Jacob!!!). O filme é extenso e ao mesmo deu pouca profundidade aos personagens, não ficou muito claro a relação outrora de Jacob e Rachel, uma vez que houve pouco contato que levassem a uma intimidade entre eles (não falo de relações sexuais explícitas, mas sim de diálogo). Outro ponto a ser melhor abordado é o restaurante do tal Chad (Alan Clark), receptivo com todos, mas que não fornece nada de importante para a elucidação da gangue (inclusive reconhece que tem funcionário que ‘trabalha’ para o tráfico). No fim, não mostra a continuidade da dupla dinâmica policial, não traz uma conversa “clichê” deles sobre a grande prisão ocorrida, enfim, são lacunas que careceram de uma boa argamassa conclusiva.
O diretor Mitchell James Ronald tem pleno potencial para desenvolver boas tramas, só precisa encontrar os melhores laços para que na hora de desatá-los, seja de forma que não deixe o telespectador com mais dúvidas do que certezas. Se é um filme policial com toques de drama, ainda mais a respeito de um assunto presente na realidade cotidiana, precisa ser melhor trabalhado para que as pessoas possam vislumbrar resultados que sejam pelos caminhos legítimos das forças do Estado e não por ações isoladas calcadas em fatores casuais como sorte e oportunidade fora dos trâmites da lei, ainda que por altruísmo consolidado pelas atitudes de desejar a erradicação de células perniciosas para a harmonia do bem coletivo. Espero ver esse diretor em ação mais vezes, pois provou que merece oportunidades para construir coisas maiores! Falam que histórias por mais de 2 horas são arrastadas, mas quem diz isso está desacostumado com as produções britânicas, provavelmente não conhecem a belíssima (e longa) série policial VERA, que traz episódios extensos!



